Não monogamia ou desesperança? Uma análise a partir do tarô de Maria Gabriela Saldanha

Mariana Monteiro
4 min readJun 7, 2023

Quebrar o amor romântico sem quebrar a si mesma. Mulheres que se construíram na monogamia — da configuração familiar de sangue ou criação às relações que vem participando há, pelo menos, 10 anos — podem estar agora mesmo, em meio a muitas outras tarefas, tentando fazer essa equação funcionar. Muitas de nós já foram à Disney, descobriram que o príncipe é um chato e que o mundo é imenso e cabe inteiro em um bloco de Carnaval.

Conheci o trabalho da Maria Gabriela Saldanha em 2016, pelo Facebook, quando estava vivendo um relacionamento monogâmico que, não por isso, nasceu fadado ao fracasso e, para surpresa de ninguém, fracassou. Não porque acabou. Mas porque agora, 7 anos depois de não mais existir, não parece mais que um delírio coletivo que compartilho com alguns bons amigos.

Com 20 e poucos anos eu queria entender por que não me sentia feliz, já que eu tinha um relacionamento nos moldes que eu procurava, entre outras coisas. É que não basta o compromisso, vale mais o coração. Meu coração de mulher estava, a essa época, inflamado em busca de mim enquanto tudo ao redor também queimava. Maria Gabriela definiu o impeachment da Dilma, à época: “Democracia, substantivo feminino passível de feminicídio porque ousou vestir saias pela primeira vez”.

Um país misógino, capaz de feminicídios diários em todas as esferas, não vai abrir mão de seus sistemas de dominação. Diariamente, temos que nos levantar contra toda a precariedade que nos é imposta desde sempre: nos direitos reprodutivos, na abundância de amor e vida a que temos direito, porque estamos aqui.

Essa é a mensagem da Rainha de Copas, última carta analisada na tiragem de tarô semanal que a Maria faz ao vivo em seu instagram @mariagabisaldanha. A produção de conteúdo é uma das facetas da taróloga e escritora que tem norteado — a partir das leituras oraculares e de muita experiência de vida — a direção de mulheres que buscam suas próprias maneiras e definições de amor, com uma ajudinha do tarô mitológico.

Eu, particularmente, não devo nada à monogamia. Sendo produto dela — sou uma filha planejada dentro de um casamento monogâmico que existe até hoje — e tendo começado a me relacionar afetivamente há bastante tempo e quase sempre dessa forma, tenho mesmo muitas críticas a esse modelo e até motivos para desejar não segui-lo, se eu parar para pensar. Mas, as questões que a monogamia não resolveu há um tempo, a não-monogamia também não vai resolver.

Hoje eu escutei a live da Maria porque meus olhos estavam na tela, produzindo. O casamento enquanto forma de subsistência nunca foi algo que me ocorreu nem em pensamento, então trabalho 44 horas por semana para me manter existindo no mundo, por meio do meu ofício e de tudo que preciso fazer para estar inteira para mim, em mente, corpo e espírito. Nada diferente da maioria das pessoas. Fico me perguntando, então, quanta energia vital eu teria que abrir mão para doar a construções simultâneas de relacionamento, cada uma com seus contornos mas todas semelhanças que eu puder agrupar dentro dos padrões que fui construindo. Complicado.

É diferente de abrir mão do amor, porque dele também sou fruto e semente, e acredito em uma existência coletiva baseada nos entrelaçamentos. Já não me espanto em conseguir traçar um paralelo do hoje com 7 anos atrás porque já entendi que essa é uma evolução lenta, mas que também é contínua, porém não por isso permite a mim, mulher, descansar a vigília sobre o que é importante e o que é inegociável dentro dessas trocas.

Não-monogamia não é um portal que se cruza. É um acordo feito primeiramente consigo e então com uma pessoa ou várias e pode ser refeito, assim como pode ser quebrado. Há quem consiga manter uma diversidade de relações entregando e esperando muito pouco ou quase nada de cada uma delas e vai se sentir muito bem dessa forma. Há quem hierarquize e classifique e dispense a energia que pode, quer ou consegue e lida com essas consequências: o fato de se relacionar com várias pessoas ao mesmo tempo não inibe os sentimentos que surgem quando o vínculo com uma delas acaba ou se transforma. Há quem não negue ao outro o direito ao próprio universo de descobertas, porque aprendeu a amar o seu próprio caminhar, mas que ao fim do dia quer mesmo é descansar no colo quentinho do mesmo amor de sempre.

Além de prestar atenção ao tarô e às minhas várias telas, presto atenção ao que fica, em como fica e, como a Rainha de Copas de mim mesma, sigo refletindo sobre meu “direito inequívoco, ancestral e futurista ao amor”.

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Mariana Monteiro

Jornalista, 32 anos. Renascendo pós golpe. Escrevo para marcar meu tempo no espaço. Contenho esperança. Crio um cão, sonhos e palavras. Sou feliz porque decidi!