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Mariana Monteiro
3 min readNov 17, 2022

O primeiro aniversário do meu amigo, sem o meu amigo.

Casa do meu amigo agora

Acendo um cigarro de frente para a tela do computador, que ainda está em branco, e me sinto jornalista demais. Até um pouco caricata. É 17 de novembro, e hoje meu amigo faria 30 anos. No fim do mês faz alguns meses que ele morreu, e eu me vejo tendo que contar nos dedos quanto tempo faz de junho pra cá, porque me parece uma vida inteira. Sinto que a qualquer momento vou ver um círculo pequeno com a foto dele piscando em outra tela, me dizendo com a voz segura, firme, calma e animada de sempre que vai resolver um milhão de coisas e depois passar pra me buscar. E eu, que aprendi a confiar que ele viria, porque ele sempre vinha, estaria esperando.

Nem sempre foi assim. Houve uma época em que meu amigo tinha dificuldades na gestão da sua imensa legião de amigos. E como tinha amigos, esse meu amigo! Sempre foi assim. De repente lembrei de um aniversário dele, que deve ter sido o de 13 anos, ou 14. Eu estava lá e também estavam outros pré adolescentes de todas as turmas possíveis da escola que a gente estudava. Era universal.

Teve também um outro que foi na Glória, 2017. O pessoal do evento travou a fila na porta, pra dar aquela inflada, e do nada caiu uma chuva colossal. Geral ensopado feliz demais bebendo a vida. Cerca de um terço da fila eram amigos do meu amigo e de repente percebo que não lembro de mais detalhes desse dia, mas lembro de alguns rostos e eles ainda estão por aí.

Em 2019 estava todo mundo com o coração na mão. O aniversário do meu amigo caiu bem no dia da final da libertadores, o Flamengo não poderia perder de jeito nenhum, mas estava perdendo mesmo assim. Até que ganhou, afinal, era o aniversário do meu amigo.

2019

Em 2020 e em 2021, todo dia era como se fosse um pouco aniversário do meu amigo. Todo dia com ele era celebração. Tudo nele era celebração. Uma vez a gente foi ao mercado e ficou olhando as ruas purinhas, da janela do carro. Fomos tomar uma dose de vacina na UFF. Partidas de UNO de tirar o ar de tanto rir. O sorriso dele não era só com dente, e ele sempre esteve atento aos bons motivos para rir, não costumava desperdiçar.

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Tem dias de semana normais, como hoje, em que eu quase converso com ele. Eu diria a ele nesse momento: amigo, o papo está ótimo como sempre, mas preciso voltar a ser jornalista demais. Hoje o dia está lindo, e vamos ver o pôr do sol. Vai ter festa pra você, estamos combinando tudo. Te amo. Feliz aniversário.

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Mariana Monteiro

Jornalista, 32 anos. Renascendo pós golpe. Escrevo para marcar meu tempo no espaço. Contenho esperança. Crio um cão, sonhos e palavras. Sou feliz porque decidi!